“O meu fim evidente era atar as
duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não
consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a
fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se
mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.
O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e
nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias;
o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade
poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim.
Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a
geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos,
outras de menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela
aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários,
e tal frequência é cansativa.
Entretanto, vida diferente não quer dizer
vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me
despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito
espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e
feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do
tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.”
Muitos dos aspectos do avanço da idade
estão retratadas nesse poema de Machado de Assis. A consciência da proximidade
do fim, as lembranças do passado, a falta dos amigos que já se foram, os
disfarces da idade que não fazem diferença, senão aos olhos dos outros. Mas
também os encantos da sabedoria, da serenidade e a satisfação de feitos
passados que trazem orgulho.
Lidar com a idade, com as doenças e
demências associadas a ela, como as estudadas na disciplina de Neurociência e
Comportamento e, principalmente, com a morte é, segundo a psiquiatra Elisabeth
Kübler-Ross, uma construção que segue uma série de etapas: negação (recusa em
aceitar a realidade do que está acontecendo), raiva, depressão e, por fim, aceitação.
Para levar a vida de modo sadio, nessa etapa da vida os relacionamentos são de
fundamental importância, embora seja normal que a frequência dos contatos
sociais diminua na velhice.
Segundo a teoria da seletividade socioemocional,
pessoas mais velhas preferem passar seu tempo com pessoas que aumentam seu
bem-estar emocional e o isolamento é um fator de risco para a mortalidade. As
amizades na velhice concentram-se na camaradagem e no apoio, e não no trabalho
e na criação dos filhos. A maioria dos adultos mais velhos possui amigos
próximos, e aqueles que os têm são mais saudáveis e felizes. Amizades antigas
tendem a persistir e o contato com a família é de grande importância, embora
muitos idosos sintam-se melhor com amigos da mesma idade, com quem dividem
histórias comuns e experiências de vida. Buscar esses contatos e não apenas
esperar por eles pode fazer a diferença, pois ninguém deve depositar a sua
felicidade apenas nas ações dos outros. Quando chegar a nossa vez, teremos que
manter essa iniciativa. É uma lição para a vida inteira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário