domingo, 23 de junho de 2013

“O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa.
        Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em verdade, pouco apareço e menos falo. Distrações raras. O mais do tempo é gasto em hortar, jardinar e ler; como bem e não durmo mal.”

Muitos dos aspectos do avanço da idade estão retratadas nesse poema de Machado de Assis. A consciência da proximidade do fim, as lembranças do passado, a falta dos amigos que já se foram, os disfarces da idade que não fazem diferença, senão aos olhos dos outros. Mas também os encantos da sabedoria, da serenidade e a satisfação de feitos passados que trazem orgulho.
Lidar com a idade, com as doenças e demências associadas a ela, como as estudadas na disciplina de Neurociência e Comportamento e, principalmente, com a morte é, segundo a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, uma construção que segue uma série de etapas: negação (recusa em aceitar a realidade do que está acontecendo), raiva, depressão e, por fim, aceitação. Para levar a vida de modo sadio, nessa etapa da vida os relacionamentos são de fundamental importância, embora seja normal que a frequência dos contatos sociais diminua na velhice.
Segundo a teoria da seletividade socioemocional, pessoas mais velhas preferem passar seu tempo com pessoas que aumentam seu bem-estar emocional e o isolamento é um fator de risco para a mortalidade. As amizades na velhice concentram-se na camaradagem e no apoio, e não no trabalho e na criação dos filhos. A maioria dos adultos mais velhos possui amigos próximos, e aqueles que os têm são mais saudáveis e felizes. Amizades antigas tendem a persistir e o contato com a família é de grande importância, embora muitos idosos sintam-se melhor com amigos da mesma idade, com quem dividem histórias comuns e experiências de vida. Buscar esses contatos e não apenas esperar por eles pode fazer a diferença, pois ninguém deve depositar a sua felicidade apenas nas ações dos outros. Quando chegar a nossa vez, teremos que manter essa iniciativa. É uma lição para a vida inteira.

        Marcelo Guilherme Rödel




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