terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre o Tempo

Na cadeira de Psicologia do Desenvolvimento II somos convidados a atravessar em poucos meses muitas fases de uma existência. Iniciando na adolescência e suas peculiaridades passando pela Idade Adulta até chegar à Terceira Idade.
Nesta cadeira conversamos sobre o que é esperado em cada momento e como nossa cognição, emoção e corpo se expressam a cada idade.
Tais assuntos, a mim me lembram muito um autor moçambicano que gosto em demasia: Mia Couto.
Couto sempre me levou a viagens pela essência humana com sua literatura simbólica e poética e – diversas vezes – mostrou-me como a vida é marcada pela passagem do tempo.
Muitos de seus romances trazem personagens na terceira idade que retomam suas trajetórias ao longo da narrativa. Para Mia Couto a figura do “velho” representa sabedoria e simboliza o ancião que, na cultura moçambicana, é fundamental, pois é através dele que as histórias da família e do mundo se propagarão. Há de se ter em vista que esta é uma cultura, ainda, muito amparada na tradição oral.
Selecionei, pois, alguns trechos de suas obras que – a meu ver- destacam questões-chave do desenvolvimento humano: as fases psicossociais, o envelhecer (e o reconhecer a si mesmo), os aprendizados que a experiência nos traz, dentre outros.

Em Venenos de Deus, remédios do Diabo Mia Couto descreve as fases da vida da seguinte forma:
"Aos 10 anos todos nos dizem que somos espertos, mas que nos faltam ideias próprias.
Aos 20 anos dizem que somos muito espertos, mas que não venhamos com ideias.
Aos 30 anos pensamos que ninguém mais tem ideias.
Aos 40 achamos que as ideias dos outros são nossas.
Aos 50 pensamos com suficiente sabedoria para já não ter ideias.
Aos 60 ainda temos ideias mas esquecemos do que estávamos a pensar.
Aos 70 só pensar já nos faz dormir.
Aos 80 só pensamos quando dormimos."

COUTO, Mia. Venenos de Deus, Remédios do Diabo. São Paulo: Companhia das letras, 2008



Couto utiliza,pois, a alegoria das ideias para indicar como cada fase da vida é marcada.
A falta da experiência e excesso de imaginação da infância; a adolescência e sua incompreensão; as fases da idade adulta marcadas pelo otimismo inicial, para o olhar para si mesmo e mais tarde desiludir-se com a ideia de se ter ideias; e na terceira idade, quando a memória e as energias físicas começam – pouco a pouco- a desfragmentarem-se e dá-se espaço para a fase de descanso das ideias.

No texto O espelho o autor coloca o confronto do indivíduo com sua imagem; o olhar que não mais se reconhece no espelho, que não se percebe como sendo aquele corpo, mas que entende que a idade faz com que nos enxerguemos diferentes.


O Espelho

"Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos."

- Mia Couto, no livro "Idades, cidades e divindades", Editora Caminho, 2007.



Focando, todavia, na meia idade penso que outro trecho de Mia Couto exemplifica bem essa ideia de um momento de reavaliação dos aspectos da vida e de perceber o que de proveitoso se tira das experiências vividas:


“Eis o que eu aprendi
nesses vales
onde se afundam os poentes:
afinal, tudo são luzes
e a gente se acende é nos outros.
A vida é um fogo,
nós somos as suas breves incandescências.”






Trecho de Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra, de Mia Couto.



A meia idade é, por excelência, o período de reflexão à respeito do que se viveu e do que ainda se viverá antes da morte (tema frequente nessa fase) é, como poderiam entender os teóricos do Humanismo, hora de avaliar o sentido da vida para encontrar, então, conforto ao lidar com os temas da finitude humana.
Por fim, trazendo outro escritor para a baila, Geraldo Eustáquio de Souza tem um breve poema chamado A Idade de Ser feliz (muito atribuído a Quintana,por sinal) que, quiçá, reforce que – independentemente da fase que se vive o importante é encontrar em cada momento as razões para ser feliz.

A IDADE DE SER FELIZ

Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda intensidade sem medo nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO, e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se PRESENTE e tem a duração do instante que passa.
Geraldo Eustáquio de Souza


Quiçá possamos entender que o passar do tempo traz consigo suas felicidades e fantasias, que cada fase da vida é repleta de novas e interessante experiências e que viver é uma aventura do presente.

RENATA MOSCHEN PORTZ

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