Na cadeira de Psicologia
do Desenvolvimento II somos convidados a atravessar em poucos meses muitas
fases de uma existência. Iniciando na adolescência e suas peculiaridades
passando pela Idade Adulta até chegar à Terceira Idade.
Nesta cadeira conversamos sobre o que é esperado em cada
momento e como nossa cognição, emoção e corpo se expressam a cada idade.
Tais assuntos, a mim me lembram muito um autor moçambicano
que gosto em demasia: Mia Couto.
Couto sempre me levou a viagens pela essência humana com sua
literatura simbólica e poética e – diversas vezes – mostrou-me como a vida é
marcada pela passagem do tempo.
Muitos de seus romances trazem personagens na terceira idade
que retomam suas trajetórias ao longo da narrativa. Para Mia Couto a figura do
“velho” representa sabedoria e simboliza o ancião que, na cultura moçambicana,
é fundamental, pois é através dele que as histórias da família e do mundo se
propagarão. Há de se ter em vista que esta é uma cultura, ainda, muito amparada
na tradição oral.
Selecionei, pois, alguns trechos de suas obras que – a meu
ver- destacam questões-chave do desenvolvimento humano: as fases psicossociais,
o envelhecer (e o reconhecer a si
mesmo), os aprendizados que a experiência nos traz, dentre outros.
Em Venenos de Deus, remédios do Diabo
Mia Couto descreve as fases da vida da seguinte forma:
"Aos 10 anos todos nos dizem que somos espertos, mas
que nos faltam ideias próprias.
Aos 20 anos dizem que somos muito espertos, mas que não
venhamos com ideias.
Aos 30 anos pensamos que ninguém mais tem ideias.
Aos 40 achamos que as ideias dos outros são nossas.
Aos 50 pensamos com suficiente sabedoria para já não ter
ideias.
Aos 60 ainda temos ideias mas esquecemos do que estávamos a
pensar.
Aos 70 só pensar já nos faz dormir.
Aos 80 só pensamos quando dormimos."
COUTO, Mia. Venenos
de Deus, Remédios do Diabo. São Paulo: Companhia das letras, 2008
Couto utiliza,pois, a alegoria das ideias para indicar como cada
fase da vida é marcada.
A falta da experiência e excesso de imaginação da infância;
a adolescência e sua incompreensão; as fases da idade adulta marcadas pelo
otimismo inicial, para o olhar para si mesmo e mais tarde desiludir-se com a
ideia de se ter ideias; e na terceira idade, quando a memória e as energias
físicas começam – pouco a pouco- a desfragmentarem-se e dá-se espaço para a
fase de descanso das ideias.
No texto O espelho
o autor coloca o confronto do indivíduo com sua imagem; o olhar que não mais se
reconhece no espelho, que não se percebe como sendo aquele corpo, mas que
entende que a idade faz com que nos enxerguemos diferentes.
O Espelho
"Esse que em
mim envelhece
assomou ao
espelho
a tentar
mostrar que sou eu.
Os outros de
mim,
fingindo
desconhecer a imagem,
deixaram-me
a sós, perplexo,
com meu
súbito reflexo.
A idade é
isto: o peso da luz
com que nos
vemos."
- Mia Couto, no livro "Idades, cidades e divindades",
Editora Caminho, 2007.
Focando, todavia, na meia idade penso que outro trecho de
Mia Couto exemplifica bem essa ideia de um momento de reavaliação dos aspectos
da vida e de perceber o que de proveitoso se tira das experiências vividas:
“Eis o que
eu aprendi
nesses vales
onde se
afundam os poentes:
afinal, tudo
são luzes
e a gente se
acende é nos outros.
A vida é um
fogo,
nós somos as
suas breves incandescências.”
Trecho de Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada
Terra, de Mia Couto.
A meia idade é, por excelência, o período de reflexão à
respeito do que se viveu e do que ainda se viverá antes da morte (tema
frequente nessa fase) é, como poderiam entender os teóricos do Humanismo, hora
de avaliar o sentido da vida para encontrar, então, conforto ao lidar com os
temas da finitude humana.
Por fim, trazendo outro escritor para a baila, Geraldo Eustáquio de Souza tem um
breve poema chamado A Idade de Ser feliz (muito atribuído a Quintana,por sinal) que, quiçá, reforce que – independentemente da fase que se vive o importante é
encontrar em cada momento as razões para ser feliz.
A IDADE DE SER
FELIZ
Existe somente uma idade para a
gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível
sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de
todas as dificuldades e obstáculos.
Uma só idade para a gente se
encantar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda
intensidade sem medo nem culpa de sentir prazer.
Fase dourada em que a gente pode
criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com
todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.
Tempo de entusiasmo e coragem em
que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda
disposição de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO, e quantas vezes for preciso.
Essa idade tão fugaz na vida da
gente chama-se PRESENTE e tem a duração do instante que passa.
Geraldo Eustáquio de Souza
Quiçá possamos entender que o passar do tempo traz consigo
suas felicidades e fantasias, que cada fase da vida é repleta de novas e
interessante experiências e que viver é uma aventura do presente.
RENATA MOSCHEN PORTZ
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