"O inverno se aproxima de nós. Ele restringe, mas a redução das possibilidades oferece seu prêmio especial de satisfação. A terra pode estar fria e imóvel, mas há um calor e crescimentos interiores. Na nossa estação do inverno, deixamos cair as limitações e os vínculos dos anos anteriores, e podemos desfrutar uma nova expansão do espírito. Podemos vivenciar na velhice o desenvolvimento secreto e o calor da bondade e do amor, recebidos e dados." (Batchelor, 1994)
O trecho acima foi retirado do livro “Celebrando as
Estações da Vida”, de Mary Batchelor, que faz uma analogia entre as estações do
ano e os estágios do ciclo de vida. A primavera, com sua vitalidade e frescor,
representa a infância e a juventude. O verão, com seu calor e abundância,
representa a idade adulta jovem, repleta
de conquistas e compromissos. O outono, por sua vez, representa a meia-idade,
que seria um momento de reduções de obrigações e de colheita das conquistas
anteriores. E, por fim, o inverno representa a velhice, com uma diminuição
visível das atividades, mas com um contínuo desenvolvimento.
Com a chegada da idade adulta tardia, que começa
aproximadamente aos 65 anos de idade, há um declínio gradual no funcionamento
dos sistemas do corpo (Sadock & Sadock, 2007), o que pode acarretar graves
restrições e, muitas vezes, a falta de independência. Além disso, essa é uma
fase repleta de lutos, tais como a perda do emprego ou a perda de entes
queridos, sejam amigos ou familiares. Entretanto, esse quadro aparentemente
desolador, pode vir ao lado de inúmeras mudanças positivas. As próprias
restrições impostas pela idade podem fazer com que o indivíduo passe a enxergar
a vida sob uma nova – e mais madura – perspectiva e a valorizar de forma mais
significativa as pequenas conquistas diárias.
Junto às perdas e restrições, muitas das pessoas
idosas encontram na velhice uma oportunidade maior para se desenvolver intelectual
e espiritualmente. Encontram também, nesse período, uma nova forma de
liberdade, uma vez que não há mais a necessidade de cumprir rigorosamente as
exigências de uma rotina profissional (Batchelor, 1994) ou familiar intensa,
pois já estão aposentados e os filhos já são independentes. A partir disso,
podem estabelecer padrões próprios de vida, de acordo com os seus gostos e
necessidades particulares, sem a imposição de horários rígidos e de se adaptar
ao ritmo dos outros. Podem, assim, desfrutar calma e intensamente cada momento,
aproveitando essa etapa da vida para desenvolver novas aptidões e vivenciar
novas experiências, que antes não conseguiam realizar.
Ainda que muitos idosos acabem se tornando
dependentes do auxílio de terceiros, devido a limitações físicas, a liberdade
interior deve ser fortalecida e valorizada. A citação acima retrata essa
questão, ao afirmar que “a terra pode
estar fria e imóvel, mas há um calor e crescimentos interiores”. Por mais
que o corpo esteja cada vez mais fraco, o espírito e a mente seguem se
fortalecendo, de tal forma que facilita o desenvolvimento de sentimentos
acolhedores e de disposição para fazer novas amizades e compartilhar momentos
com o próximo para se livrar da solidão.
Tanto o envolvimento em atividades sociais, quanto o
contato com indivíduos mais jovens é importante para o bem-estar físico e
emocional dos idosos. No momento em que transmitem valores culturais e
proporcionam cuidados para as gerações mais novas, as pessoas idosas aumentam,
de certa forma, a sua auto-estima, uma vez que isso proporciona uma sensação de
utilidade (Sadock & Sadock, 2007).
Dessa forma, o medo da solidão e de desamparo, assim
como as próprias experiências ao longo da vida, fazem com os idosos geralmente
valorizem mais o contato e os laços estabelecidos com os outros. Quanto menor a
interação com as outras pessoas, maior o nível de solidão, se fazendo fundamental
o papel dos amigos e, principalmente, da família. Sendo assim, todo vínculo
amoroso estabelecido se faz essencial para uma vida calorosa e afetuosa, até o
seu último instante.
"No mundo físico, cada estação traz consigo seu caráter e prazeres particulares.
A vida humana também tem suas estações.
A juventude, como a primavera, possui renovada vitalidade.
Depois chega a época ativa do verão, quente e cheio de vida.
O outono traz consigo um ritmo menos agitado e o gozo da colheita.
E, no inverno da velhice, a redução da atividade deixa lugar para o crescimento oculto.
Cada novo estágio desperta as mesmas perguntas.
Quem sou eu? Aonde estou indo?
Cada estação possui sua riqueza e sua beleza - um motivo de comemoração."
(Batchelor, 1994)
Referências:
Sadock, B. J., & Sadock, V. A. (2007). Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed.
Batchelor, M. (1994). Celebrando as Estações da Vida. São Paulo: Paulus.
Clara Grassi Guterres
Nenhum comentário:
Postar um comentário