sexta-feira, 5 de julho de 2013

Sobre a inegável passagem do tempo


O curioso caso de Benjamin Button é um filme de drama estadunidense lançado em 2008, baseado em um conto homônimo lançado em 1921 pelo escritor F. Scott Fitzgerald (1896-1940), por sua vez inspirado em uma frase do escritor Mark Twain (1835-1910): “A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18”
 O filme foi dirigido por David Fincher e escrito por Eric Roth, tendo como atores principais Brad Pitt e Cate Blanchett. Fitzgerald, inspirado no tema da velhice, constrói uma história que nos leva a entender, a partir do ponto de vista do personagem, pesares e alegrias decorrentes da passagem do tempo.
Imagine ser possível a vida de um homem começar na velhice e avançar para a infância. De forma realista, o filme mostra a vida de Benjamin, que nasce com uma estranha doença onde, mesmo sendo um bebê, apresenta todas as doenças comuns da velhice, além de rugas, cabelos brancos e semblante cansado. Com o passar dos anos ele descobre que, ao contrário das outras pessoas, está se tornando mais jovem: é como se o seu relógio biológico andasse para trás.

Benjamin Button: Momma? Momma? Some days, I feel different than the day before. - "Mamãe? Mamãe? Em alguns dias, me sinto diferente do que no dia anterior."
Mrs. Maple: Everyone feels different about themselves one way or another, but we all goin' the same way. - "Todo mundo se sente diferente sobre si mesmo de uma forma ou outra, mas todos nós estamos indo para o mesmo caminho."


O personagem cresce em um asilo de idosos, onde foi abandonado pelo pai, lugar natural para uma criança que nasceu no corpo de um ancião. Nesse lugar onde a morte ameaça a todo momento, Benjamin tem sua jornada de auto-conhecimento e amadurecimento, pensando sobre a transitoriedade das nossas relações.


Benjamin: I was thinking how nothing lasts, and what a shame that is. - "Eu estava pensando em como nada dura, e como isso é uma vergonha."
Daisy: Some things last. - "Algumas coisas duram"

Uma pessoa teve importância especial na vida de Benjamin: Daisy, amiga de infância por quem se apaixona e com quem o personagem vive uma descompassada história de encontros e desencontros ao longo da vida. Seu relacionamento nos leva a pensar na impossibilidade do amor eterno, mostrando que o amor tem que se deparar continuamente com a perda, inclusive com a perda da juventude.

Daisy: You're so young. – “Você está tão jovem”
Benjamin: Only on the outside. – “Apenas no exterior”

No fim da vida, Daisy resigna-se a cuidar do homem que ela tanto amou por anos, relegado à condição de uma criança com a mente de um velho. A velhice e a iminência do inevitável, a morte, são vistas aqui como uma experiência compartilhada, pois ambos, mesmo que por caminhos diferentes, estão se aproximando do fim da vida.

Daisy: Loving you is worth everything to me... - "Amar você vale tudo para mim ..."
Benjamin: I have to go pee. - "Eu tenho que ir fazer xixi."

            É possível perceber a permanência de certas características em Benjamin ao longo da vida, como a irreverência e a sensibilidade. Do mesmo modo que Benjamin vive questionando a passagem do tempo, todos nós nos fazemos as mesmas perguntas. Existem diversas teorias sobre o envelhecimento, que servem para dar aporte à compreensão de fenômenos da terceira idade. A Teoria da Continuidade, proposta pelo gerontologista Robert Atchley (1989), enfatiza a necessidade de mantermos uma conexão entre o passado e o presente: a atividade é importante por representar a continuação de um estilo de vida. Muitos aposentados são mais felizes mantendo-se em atividades de lazer ou trabalho similares às que tinham no passado. Podemos pensar sobre esse tema com diversos aspectos do filme: na vida de Daisy, a questão da dança parece ser essencial, e a forma como ela teve que abrir mão de dançar e passar a dar aulas mostra sua forma de manter certas atividades. Benjamin, que por anos se afasta de seu lar para conhecer o mundo, mais tarde retorna e o faz em diversos momentos, para a surpresa de Mrs. Marple.
Quando o envelhecimento acarreta mudanças físicas ou cognitivas, uma pessoa pode tornar-se dependente de cuidadores ou ter que fazer novos arranjos de vida. O apoio da família parece ser essencial nesse momento, e não é por acaso que toda a história de Benjamin é narrada por uma Daisy nonogenária e moribunda num leito de hospital, com a ajuda da filha. Nascimento, desenvolvimento, velhice e morte não são necessariamente um ciclo vivido a partir da juventude, o mais importante é que durante este ciclo possamos sempre aprender e compartilhar nossos aprendizados. Sobretudo, o amor permanece.

Mrs. Maple: Benjamin, we're meant to lose the people we love. How else would we know how important they are to us? – “Benjamin, estamos destinados a perder as pessoas que amamos. De que outra forma saberíamos o quão importantes elas são para nós?"


Permanência

Agora me lembra um, antes me lembrava outro.

Dia virá em que nenhum será lembrado.

Então no mesmo esquecimento se fundirão.
Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesmas, como ontem e sempre.

Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Betina Czermainski de Oliveira


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